Comecei a pesquisar Cecília Meireles motivada a traduzir nas criações para as joias uma poetisa brasileira, cujos poemas eu havia lido quando criança e que me lembrava serem especiais. “ Ou Isto ou Aquilo” e “A Bailarina” foram textos que ecoaram por muito tempo em minha cabeça de menina e até hoje possuem seu espaço em minha memória. Toda vez que vejo um vídeo de uma bailarina rodopiando me vem espontaneamente à mente o verso “ esta menina, quer ser bailarina…) e isso me lembra da minha infância fantasiada de sol, errando passos em apresentações de Ballet.

Além das poesias, li parte das Crônicas de Viagem da autora e trechos de suas obras, entrevistas e reportagens sobre ela. Encontrei nesse processo, uma mulher carioca, viajante que conviveu com grandes perdas em sua vida desde muito jovem e que escrevia lindamente. Sua forma de recortar o mundo em palavras era mágica e sentimental e me identifiquei com isso.

Estudando poesia no curso de Letras, vivi paralelamente às leituras a revisão do gênero e percebi na sua forma criativa a sutileza do olhar da poeta para as coisas do mundo e para a forma de comunicá-las, a poesia é quase uma pintura de palavras ritmadas, ela desenha uma versão imagética do conteúdo em nossa mente com sonoridade.

Para mim é imperativo relacionar essa forma de ver o mundo com o período da infância, espaço mágico da vida em que as imagens e pensamentos são irreverentes por serem livres, desavisados das regras sociais e dos “nãos” tão frequentemente ouvidos. Um olhar autorizado a se deslocar do universo material e previsível, que pode existir transformando nuvens em sereias, árvores em amigas de infância, palavras podem ganhar asas, tudo é permitido.

Quando tive esse feliz encontro com Cecília, descobri que ela havia sido criada pela sua avó por ter pedido seus pais muito cedo, uma mulher cheia de fé e que foi essa experiência que a ensinou sobre a efemeridade da vida, abrindo espaço para que os livros entrassem nela de forma eterna. Coincidentemente, na mesma época em que tive esse fortuito encontro, a vida me arrancava um pedaço com o falecimento de minha avó, mulher enérgica e alegre que tinha o jardim mais cheiroso e bonito que já encontrei. Foi uma perda difícil e emotiva, apesar dos seus 90 anos bem vividos, não há pessoa querida que não faça falta de forma substancial e pensei nas várias de forma como ela ainda sobrevivia em mim e no seu jardim cheiroso e isso também me sensibilizou para a criação.

Essas vivências paralelas me fizeram tecer conexões inevitáveis e refletir sobre as perdas da vida e as coisas que voltam a florescer depois da dor. A frase de Cecília “ aprendi com as primaveras a me deixar cortar e voltar sempre inteira” fez um sentido descabido e recebi aquela vivência como uma desafiadora oportunidade para reviver o amor por uma pessoa e também por aquilo que mais amo, que são os livros, a arte de escrever e pensar sobre as coisas da vida.

Lendo o livro de crônicas de viagem de Meireles, a autora relata suas impressões durante suas viagens pelo mundo enquanto trabalhava. Mas, na realidade, ela não conta nada, ela cria imagens, vivências e sentimento em torno de tudo que vê, encontra ou que por ela passa. É magnífico seu olhar de poeta que faz o leitor e, neste caso esta leitora que vos escreve, saborear suas palavras.

Com receio de ser um pouco bairrista, confesso que minha crônica preferida é quando Cecília passa por Belo Horizonte e se deixa levar pelos caminhos da rua da Bahia, uma rua central e importante de Belo Horizonte. Falamos muito aqui a frase do compositor Rômulo Paes: “a minha vida é esta: subir Bahia, descer floresta” e foi sobre esta mesma rua que ela se debruçou em partes para falar da minha Beagá.

Cecília, com suas palavras, reforça para mim a ideia de que tudo no mundo é matéria-prima para o autor, que tudo tem um quê de poesia e de potencial criativo para olhar atento, livre e sentimental de quem escreve e cria. O observar e ler é um portal para outro mundo imagético, disruptivo, sincero e pensador que busco traduzir nas coisas que crio.

As joias que surgiram em formato de lua, com palavras aéreas, com cristais para reluzir a luz, com pedras disfórmicas parecendo pequeninos mundos irreverentes vistos de fora, em formato de asas de borboletas são maneiras de colocar nosso corpo efêmero em perspectiva com a natureza e foi assim que toda a criação da coleção “ O que Aprendi com as Primaveras” começou.

Sobre a vida, basta observar, admirar e por aí voar. Como li em suas crônicas, deixo abaixo uma frase da autora para encerrar:

“Aliás, um poeta persa já disse que, para quem sabe ler, em cada folinha de erva está escrita a história do mundo e da transmissão.”

Deborah R. Sousa
Diretora Criativa do JcomP